Além de ampliar a autonomia de estudantes, ferramentas digitais podem
ser aliadas para transformar práticas e criar ambientes inclusivos
por Marina
Lopes
A tecnologia é uma importante aliada de professores para garantir a
autonomia dos alunos, seja para amenizar barreiras ou para personalizar o
aprendizado. Quando se fala em ambientes inclusivos, é comum pensar em
tecnologias assistivas, que promovem ou ampliam as habilidades funcionais de
pessoas com deficiência, mas professores dedicados a trabalhar a inclusão na
escola também reconhecem que as ferramentas digitais têm um potencial de
engajar os alunos nas práticas de aprendizagem.
No Colégio Planck, em São José dos Campos (SP), o professor Glauco de
Souza Santos percebeu durante as aulas de história que o uso de novas
tecnologias e metodologias ativas facilitava a inclusão dos alunos com
deficiência.
Incomodado com a sua prática em sala de aula, há quatro anos ele se
juntou a outros educadores para fazer parte de um grupo de experimentação em
ensino híbrido –metodologia que usa a tecnologia para mesclar o aprendizado
online e offline. Mergulhado em novas possibilidades para ensinar história, o
professor começou a notar que uma aula expositiva de cinquenta minutos não era
suficiente para garantir a aprendizagem de todos. “Muitos alunos não conseguiam
captar as informações e acabavam ficando para trás”, lembra Glauco, que também
é coordenador pedagógico do Colégio Planck.
Diferente de uma aula expositiva, em
que só alguns conseguem reter a informação, o ensino híbrido facilita a
inclusão
A partir daí, o contato com metodologias ativas incentivou o educador a
experimentar novos formatos de aulas com uso de tecnologia. Para explicar sobre
regimes totalitários no ensino médio, por exemplo, ele apostou na sala de aula
invertida: gravou uma videoaula para os alunos aprendem o conteúdo em casa e
reservou o tempo em sala apenas para debater o assunto. “Foi interessante notar
que cada aluno aprendeu no seu ritmo. Enquanto alguns contaram que assistiram
ao vídeo apenas uma vez, outros precisaram pausar e voltar várias vezes”,
relata. Nessa dinâmica, Glauco diz que a aula começou a se tornar mais atraente
para toda a turma. “Eu percebi que tinha algo no ensino híbrido que engajava os
alunos com deficiência”, conta.
Em outro tópico sobre democracia na Grécia Antiga, o professor adotou o
modelo de rotação por estações. A aula incluía diferentes atividades
simultâneas, como pesquisar na internet, assistir a um vídeo do canal History
Channel ou usar o material digital do colégio para responder algumas perguntas.
“Os alunos poderiam escolher por onde iriam começar a aula e trocavam de
estação conforme o próprio ritmo. No final da aula, era possível identificar
quem tinha um desempenho maior com vídeo, apresentava dificuldade com texto ou
precisava desenvolver melhor as habilidades de pesquisa”, explica ele.
Para o professor do ensino médio, que tem alunos com autismo e déficit
de atenção, a metodologia ajuda a ampliar o envolvimento de toda a turma. “Quando
você possibilita que o aluno não fique só ouvindo, de alguma forma você vai
conseguir captar a atenção dele. Diferente de uma aula expositiva, em que só
alguns conseguem reter a informação, o ensino híbrido facilita a inclusão”,
defende Glauco, que aposta na diversificação de atividades como um caminho para
valorizar a maneira de aprender de cada estudante.
Na Grande São Paulo, em Mogi das Cruzes, a professora Maria de Lourdes
Pezzuol também começou a investir na diversificação de atividades e no uso de
tecnologia para incluir alunos com deficiência durante as aulas de educação
física. Responsável por turmas da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e dos anos
finais do ensino fundamental, na Escola Estadual Vereador Narciso Yague
Guimarães, e do sexto ao oitavo ano, na Escola Estadual Reverendo Osmar
Teixeira Serra, ela organiza a aula com diversas práticas esportivas acessíveis
para todos os estudantes.
“Se eu vou trabalhar atletismo, não dá para colocar todos os alunos para
fazer exatamente a mesma atividade. A gente precisa pensar em estratégias para
que eles participem do esporte dentro dos gostos e preferências deles. É como
se fosse no ensino híbrido: uma aula com vários recursos para os alunos”,
comenta Maria de Lourdes, que tem especialização na área de educação inclusiva.
Para contextualizar as modalidades, a professora também começou a usar os
recursos disponíveis no laboratório de informática das escolas. Hoje ela mescla
as aulas práticas com momentos de investigação sobre diferentes esportes.
Nas atividades dentro do laboratório, a professora organiza a turma em
grupos que sempre envolvem alunos com maior e menor domínio das ferramentas
digitais. “Às vezes o aluno tem dificuldade para escrever, mas na sala de
informática ele consegue digitar as letras. Isso é muito bom para a autoestima
deles”, destaca Maria de Lourdes. Com o intuito de trabalhar os conteúdos
associados ao esporte, ela recorre a diferentes objetos digitais de
aprendizagem disponíveis na plataforma Currículo + (versão customizada da Escola
Digital para a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo). “Eu trabalho com
caça-palavras, jogos e vídeos. Estou fazendo com que os alunos se adaptem,
porque a tecnologia também é importante para a aprendizagem deles, independente
de ir para a quadra jogar.”
De acordo com ela, nessas aulas é possível notar que os alunos com
deficiência ficam mais motivados porque conseguem desenvolver as atividades no
seu ritmo. “A tecnologia é viva, colorida e lúdica. Ela potencializa a inclusão
porque você não fica apenas em uma metodologia”, diz Maria de Lourdes, que
reafirma a importância de oferecer diferentes opções para a turma. Durante as
atividades, ela conta que também estimula que os alunos façam pesquisas e
montem apresentações com curiosidades sobre os esportes no PowerPoint,
trabalhando um pouco com design e animação. “Quando o aluno tem autoestima, eu
acho que a aula flui. A metodologia diversificada e diferenciada traz muito
progresso.”
A tecnologia é viva, colorida e
lúdica. Ela potencializa a inclusão porque você não fica apenas em uma
metodologia
O progresso, apontado por Maria de Lourdes, foi observado na prática
pelo professor carioca Douglas Neves, mais conhecido pelos colegas como Doug
Alvoroçado. Com graduação em pedagogia, ele sentiu a necessidade de buscar
especialização em educação inclusiva quando recebeu na sua turma um aluno com
dificuldade de aprendizagem e uma aluna com deficiência visual. “Eu fiz uma
série de adaptações do material e assim começou o meu trabalho. Um ano depois
me ofereceram ir para a sala de recursos, onde comecei a trabalhar para que a
inclusão acontecesse dentro da escola”, lembra.
Na rede municipal do Rio de Janeiro, o professor passou a usar recursos
tecnológicas para possibilitar que os alunos com deficiência pudessem
acompanhar os conteúdos apresentados em sala de aula. “Eu tinha que explicar
sobre fotossíntese para uma criança que não ouvia, não sabia ler e nem
escrever. Para facilitar a minha vida e a do aluno, comecei usar imagens,
produzir vídeos e apresentar explicações em aplicativos”, exemplifica Doug, que
hoje faz parte do time de professores inovadores certificados pelo Google.
A tecnologia amplia a aprendizagem e
horizontaliza o acesso. Ela constrói uma ponte entre o aluno e o conteúdo
Para trabalhar conceitos geográficos de bairro com uma aluna, por
exemplo, o professor criou aulas no Google Street View. “Eu não tinha como
levar a criança para rua e sair explicando. Eu desenvolvia aulas com recursos
digitais para o aluno entender a matéria de geografia, matemática, inglês e
artes”, cita. O trabalho com alunos surdos também possibilitou que o educador
ampliasse o seu repertório imagético. “Eles me proporcionaram um letramento
visual que eu não tinha. Eu fazia todo um trabalho com imagens que não era só
para o aluno com deficiência, mas para toda a turma.”
Após mais de dez anos de experiência na rede municipal, hoje o professor
se dedica ao curso de mestrado profissionalizante na área de ensino, do Colégio
de Aplicação da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Como projeto
aplicado, ele está trabalhando no desenvolvimento de aplicativos e metodologias
de letramento visual para facilitar a compreensão de textos. “A tecnologia
amplia a aprendizagem e horizontaliza o acesso. Ela constrói uma ponte entre o
aluno e o conteúdo.”
E o professor ainda
completa: “Quando você usa a tecnologia, você amplia o espectro de aprendizagem
do aluno. Primeiro, porque ela é atraente e inovadora. E, segundo, porque você
consegue suprir as necessidades de cada um. Às vezes um aluno não aprende só
ouvindo, ele precisa de algo visual. Outros precisam de uma experiência maior para visualizar um conteúdo de forma prática.”
FONTE: Porvir