sexta-feira, 26 de maio de 2017

'Computador não faz com que se leia menos', diz Ruth Rocha; leia entrevista

Há 45 anos, em setembro de 1969, Ruth Machado Lousada Rocha teclava uma máquina de escrever trancada no quarto. Acostumada a criar textos para adultos, ela tentava terminar a sua primeira história infantil, para a revista "Recreio".
Só abriu a porta quando finalizou o conto "Romeu e Julieta", sobre duas borboletas de cores diferentes. Como uma lagarta que sai do casulo,"nascia" ali também a escritora Ruth Rocha.
Mais de 200 livros depois e 12 milhões de exemplares vendidos, Ruth Rocha, 83, conversou com a "Folhinha" em seu apartamento, em São Paulo.

 



Folhinha - A infância mudou nesses 45 anos?
Ruth Rocha - As crianças são muito parecidas. Por isso, livros infantis mais antigos e contos de fadas ainda encantam gente do mundo todo.

Mas hoje tem o computador e outras tecnologias.
O problema não é o computador ou a TV, é o uso excessivo deles. Tem criança que fica o dia inteiro com as telinhas ligadas. Não pode. É preciso ter hora para brincar, estudar, sair, comer e, claro, também para o computador e a TV. Tem que ter disciplina.

As escolas atuais estão colocando a disciplina em segundo plano?
Por um lado, as escolas estão muito caretas. Não são nada divertidas. Mas há muitos colégios metidos a modernos que vão para o lado oposto. Como o autoritarismo no passado era grande, eles acabam jogando fora o respeito e a disciplina. Essas escolas também estão erradas. A criança tem que ter regras, senão fica impossível. Ela pede por limites, quer ouvir um "não", seja dos pais ou do professor.

Brincar na rua faz falta?
Faz falta, claro. Mas hoje é muito perigoso. E a criança inventa brincadeiras onde estiver. Quando meus netos eram pequenos, por exemplo, eles transformavam tudo o que eu tinha na sala de casa em pista de carrinho. A imaginação é muito forte.

Usar o computador faz com que as crianças leiam menos?
Não acho. Nunca se vendeu ou produziu tanto livro. Na minha época, não tínhamos opções, meus colegas não conversavam sobre literatura e as escolas não tinham bibliotecas. Conhecíamos só as histórias do Monteiro Lobato. Hoje há mais opções.

Há muitas opções ruins nas livrarias.
Pouca coisa de qualidade é produzida. Existem duas pragas atualmente nos livros: o "bom mocismo" e o politicamente correto. Eles estão matando a literatura infantil brasileira. Ninguém pensa em livros bons para crianças.

A senhora lia muito quando era criança?
Muito. Quando eu tinha 13 anos, decidi ler todos os livros de uma biblioteca circulante que ficava na avenida São Luís. Claro que não consegui. Mas acho que li a biblioteca inteira do colégio Rio Branco, onde estudei e trabalhei.

E ouvia muitas histórias também?
Meu avô era um grande contador de histórias. Era um velhinho engraçado que adorava contar contos de folclore, dos irmãos Grimm, fábulas, histórias das "Mil e Uma Noites". Já meu pai só sabia três histórias: do Aladim, de um homem com a perna amarrada, que eu não sei de onde ele tirou, e outra que não lembro. E minha mãe, quando descobriu o Monteiro Lobato, lia várias histórias para a gente.

Há algum tema impossível de escrever?
Já fiz histórias sobre preconceito, autoritarismo e até adaptei a "Ilíada" e a "Odisseia", de Homero (700 a.C.). Só não consigo fazer histórias tristes. Preciso de esperança.

Quais seus planos para o futuro?
Voltar a escrever. Tive que parar por um tempo, pois deu um trabalho muito grande fazer a reedição da minha obra de ficção pela editora Salamandra. Foram quase 120 livros.

Planeja fazer lançamentos em livro digital?
O livro digital não pegou no Brasil. Eles geralmente não aproveitam a tecnologia que têm à disposição. Eu vendo muito livro, mas minhas obras disponibilizadas em e-book não vendem nada. Talvez um dia o livro físico acabe, mas esse movimento ainda não começou.

FONTE: Folha de S. Paulo

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Da robótica à dança, Ginásio Orsina da Fonseca conta com mais de 10 disciplinas eletivas


  
No pequeno laboratório cheio de sucatas eletrônicas do Ginásio Carioca Orsina da Fonseca, na Tijuca, ninguém ‘viaja' na imaginação quando se trata da aula de Programação e Robótica, disciplina eletiva que utiliza, entre outras ferramentas, plataformas de trabalho da Nasa (Agência Espacial Americana). Aos 13 anos, a estudante Amanda Moreira, moradora da Vila do João, no Complexo da Maré, entrega-se à tarefa de construção de drones e bugs.

- Onde moro não se aproveita o lixo. Aqui aprendo informática e a construir coisas bacanas com material que ia para o lixo - disse a estudante, enquanto desmontava computadores antigos com mais 24 colegas do 7º ano na eletiva coordenada pela professora Maria Cristina Zamith.

A aula de Programação e Robótica é umas das 11 disciplinas eletivas, que atraem os alunos, que, muitas vezes, preferem ficar nas salas de aula, em horários livres, conversando com os professores, do que no pátio. É o caso também da disciplina ‘Diversidade de Gêneros, Colorindo a vida'.

Em paralelo, surgiram os avanços pedagógicos. A Unidade escolar de tempo integral oferece ainda salas de recursos funcionais e sala de leitura e promove projetos extracurriculares, como o Tertúlia Literária. O Orsina da Fonseca tem hoje 392 alunos matriculados do 7º ao 9º ano, e mais 138 do PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos) no horário noturno, além de atendimento para alunos com deficiência.  

Tamanha modernidade, aliada a outras iniciativas do Orsina da Fonseca, como a adesão da unidade ao Programa de Educação Ambiental da Unesco, colocam a centenária unidade, que em outubro completa 119 anos, em acordo com este início de século XXI. 

Quando nascida, em 28 de outubro de 1898, como Instituto Profissional Feminino – o nome Orsina da Fonseca foi incorporado em 1912 em homenagem à ex-primeira-dama do País, então governado pelo Marechal Hermes da Fonseca – e, ao longo de suas primeiras décadas de existência, a escola era voltada para educação feminina com ensino de bordados e costura, por exemplo. Ao passar dos anos, foram muitas as mudanças, inclusive sob o sabor dos momentos políticos do Brasil, mas a Orsina sobreviveu, conquistou apoios e soube se reinventar. E sabe preservar sua história, hoje guardada no Centro de Memória, que é abastecido a cada descoberta de ficha ou foto amarelada.

- Sempre tive um carinho enorme pela Orsina. Minha mãe deu aulas aqui e eu vinha sempre. Quando recebi o convite para dirigir a escola vi que era um resgate. Vim com a possibilidade de trabalhar em uma escola democrática. A Orsina é desafiante - disse a diretora Kátia Daim, que topou o desafio da direção quando já estava aposentada.

O veio democrático, aliás, é uma constante pelos corredores, em meio ao corpo docente, nas salas de aula e até nas casas dos estudantes já que os pais têm voz ativa no Conselho Escola-Comunidade.

- Com a nova proposta de escola, de uma gestão compartilhada, todos começaram a se chegar - atestou Kátia.

Se por um lado a robótica anda fascinando Amanda Moreira, a jovem que agora constrói bugs e drones, por outro lado, a dança - outra disciplina eletiva - ajuda Jéssica Freire, 15 anos, aluna do 9º ano, a perder a timidez.

- Entrei na dança para tentar acabar com a minha timidez. Não vou parar mais, me ajuda - contou a adolescente, moradora do Morro de São Carlos, no Estácio, que foi parar no Orsina seguindo os passos da irmã mais velha, hoje com 18 anos.

- Minha irmã mais nova, de 11 anos, vem para cá também - anunciou, revelando mais uma tradição do Orsina de ser a escola de famílias inteiras. Mas isso é coisa para o Centro de Memória. No momento, Amanda e Jéssica, assim como seus colegas, querem mesmo é aprender. Sabem que o futuro chega com a velocidade de um foguete da Nasa.

FONTE: http://www.rio.rj.gov.br/

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Uso da tecnologia facilita engajamento de alunos com deficiência

Além de ampliar a autonomia de estudantes, ferramentas digitais podem ser aliadas para transformar práticas e criar ambientes inclusivos
por Marina Lopes  
A tecnologia é uma importante aliada de professores para garantir a autonomia dos alunos, seja para amenizar barreiras ou para personalizar o aprendizado. Quando se fala em ambientes inclusivos, é comum pensar em tecnologias assistivas, que promovem ou ampliam as habilidades funcionais de pessoas com deficiência, mas professores dedicados a trabalhar a inclusão na escola também reconhecem que as ferramentas digitais têm um potencial de engajar os alunos nas práticas de aprendizagem.
No Colégio Planck, em São José dos Campos (SP), o professor Glauco de Souza Santos percebeu durante as aulas de história que o uso de novas tecnologias e metodologias ativas facilitava a inclusão dos alunos com deficiência.
Incomodado com a sua prática em sala de aula, há quatro anos ele se juntou a outros educadores para fazer parte de um grupo de experimentação em ensino híbrido –metodologia que usa a tecnologia para mesclar o aprendizado online e offline. Mergulhado em novas possibilidades para ensinar história, o professor começou a notar que uma aula expositiva de cinquenta minutos não era suficiente para garantir a aprendizagem de todos. “Muitos alunos não conseguiam captar as informações e acabavam ficando para trás”, lembra Glauco, que também é coordenador pedagógico do Colégio Planck.
Diferente de uma aula expositiva, em que só alguns conseguem reter a informação, o ensino híbrido facilita a inclusão

A partir daí, o contato com metodologias ativas incentivou o educador a experimentar novos formatos de aulas com uso de tecnologia. Para explicar sobre regimes totalitários no ensino médio, por exemplo, ele apostou na sala de aula invertida: gravou uma videoaula para os alunos aprendem o conteúdo em casa e reservou o tempo em sala apenas para debater o assunto. “Foi interessante notar que cada aluno aprendeu no seu ritmo. Enquanto alguns contaram que assistiram ao vídeo apenas uma vez, outros precisaram pausar e voltar várias vezes”, relata. Nessa dinâmica, Glauco diz que a aula começou a se tornar mais atraente para toda a turma. “Eu percebi que tinha algo no ensino híbrido que engajava os alunos com deficiência”, conta.
Em outro tópico sobre democracia na Grécia Antiga, o professor adotou o modelo de rotação por estações. A aula incluía diferentes atividades simultâneas, como pesquisar na internet, assistir a um vídeo do canal History Channel ou usar o material digital do colégio para responder algumas perguntas. “Os alunos poderiam escolher por onde iriam começar a aula e trocavam de estação conforme o próprio ritmo. No final da aula, era possível identificar quem tinha um desempenho maior com vídeo, apresentava dificuldade com texto ou precisava desenvolver melhor as habilidades de pesquisa”, explica ele.
Para o professor do ensino médio, que tem alunos com autismo e déficit de atenção, a metodologia ajuda a ampliar o envolvimento de toda a turma. “Quando você possibilita que o aluno não fique só ouvindo, de alguma forma você vai conseguir captar a atenção dele. Diferente de uma aula expositiva, em que só alguns conseguem reter a informação, o ensino híbrido facilita a inclusão”, defende Glauco, que aposta na diversificação de atividades como um caminho para valorizar a maneira de aprender de cada estudante.
Na Grande São Paulo, em Mogi das Cruzes, a professora Maria de Lourdes Pezzuol também começou a investir na diversificação de atividades e no uso de tecnologia para incluir alunos com deficiência durante as aulas de educação física. Responsável por turmas da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e dos anos finais do ensino fundamental, na Escola Estadual Vereador Narciso Yague Guimarães, e do sexto ao oitavo ano, na Escola Estadual Reverendo Osmar Teixeira Serra, ela organiza a aula com diversas práticas esportivas acessíveis para todos os estudantes.
“Se eu vou trabalhar atletismo, não dá para colocar todos os alunos para fazer exatamente a mesma atividade. A gente precisa pensar em estratégias para que eles participem do esporte dentro dos gostos e preferências deles. É como se fosse no ensino híbrido: uma aula com vários recursos para os alunos”, comenta Maria de Lourdes, que tem especialização na área de educação inclusiva. Para contextualizar as modalidades, a professora também começou a usar os recursos disponíveis no laboratório de informática das escolas. Hoje ela mescla as aulas práticas com momentos de investigação sobre diferentes esportes.
Nas atividades dentro do laboratório, a professora organiza a turma em grupos que sempre envolvem alunos com maior e menor domínio das ferramentas digitais. “Às vezes o aluno tem dificuldade para escrever, mas na sala de informática ele consegue digitar as letras. Isso é muito bom para a autoestima deles”, destaca Maria de Lourdes. Com o intuito de trabalhar os conteúdos associados ao esporte, ela recorre a diferentes objetos digitais de aprendizagem disponíveis na plataforma Currículo + (versão customizada da Escola Digital para a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo). “Eu trabalho com caça-palavras, jogos e vídeos. Estou fazendo com que os alunos se adaptem, porque a tecnologia também é importante para a aprendizagem deles, independente de ir para a quadra jogar.”
De acordo com ela, nessas aulas é possível notar que os alunos com deficiência ficam mais motivados porque conseguem desenvolver as atividades no seu ritmo. “A tecnologia é viva, colorida e lúdica. Ela potencializa a inclusão porque você não fica apenas em uma metodologia”, diz Maria de Lourdes, que reafirma a importância de oferecer diferentes opções para a turma. Durante as atividades, ela conta que também estimula que os alunos façam pesquisas e montem apresentações com curiosidades sobre os esportes no PowerPoint, trabalhando um pouco com design e animação. “Quando o aluno tem autoestima, eu acho que a aula flui. A metodologia diversificada e diferenciada traz muito progresso.”
A tecnologia é viva, colorida e lúdica. Ela potencializa a inclusão porque você não fica apenas em uma metodologia

O progresso, apontado por Maria de Lourdes, foi observado na prática pelo professor carioca Douglas Neves, mais conhecido pelos colegas como Doug Alvoroçado. Com graduação em pedagogia, ele sentiu a necessidade de buscar especialização em educação inclusiva quando recebeu na sua turma um aluno com dificuldade de aprendizagem e uma aluna com deficiência visual. “Eu fiz uma série de adaptações do material e assim começou o meu trabalho. Um ano depois me ofereceram ir para a sala de recursos, onde comecei a trabalhar para que a inclusão acontecesse dentro da escola”, lembra.
Na rede municipal do Rio de Janeiro, o professor passou a usar recursos tecnológicas para possibilitar que os alunos com deficiência pudessem acompanhar os conteúdos apresentados em sala de aula. “Eu tinha que explicar sobre fotossíntese para uma criança que não ouvia, não sabia ler e nem escrever. Para facilitar a minha vida e a do aluno, comecei usar imagens, produzir vídeos e apresentar explicações em aplicativos”, exemplifica Doug, que hoje faz parte do time de professores inovadores certificados pelo Google.
A tecnologia amplia a aprendizagem e horizontaliza o acesso. Ela constrói uma ponte entre o aluno e o conteúdo

Para trabalhar conceitos geográficos de bairro com uma aluna, por exemplo, o professor criou aulas no Google Street View. “Eu não tinha como levar a criança para rua e sair explicando. Eu desenvolvia aulas com recursos digitais para o aluno entender a matéria de geografia, matemática, inglês e artes”, cita. O trabalho com alunos surdos também possibilitou que o educador ampliasse o seu repertório imagético. “Eles me proporcionaram um letramento visual que eu não tinha. Eu fazia todo um trabalho com imagens que não era só para o aluno com deficiência, mas para toda a turma.”
Após mais de dez anos de experiência na rede municipal, hoje o professor se dedica ao curso de mestrado profissionalizante na área de ensino, do Colégio de Aplicação da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Como projeto aplicado, ele está trabalhando no desenvolvimento de aplicativos e metodologias de letramento visual para facilitar a compreensão de textos. “A tecnologia amplia a aprendizagem e horizontaliza o acesso. Ela constrói uma ponte entre o aluno e o conteúdo.”
E o professor ainda completa: “Quando você usa a tecnologia, você amplia o espectro de aprendizagem do aluno. Primeiro, porque ela é atraente e inovadora. E, segundo, porque você consegue suprir as necessidades de cada um. Às vezes um aluno não aprende só ouvindo, ele precisa de algo visual. Outros precisam de uma experiência maior para visualizar um conteúdo de forma prática.”

FONTE: Porvir