Há 45 anos, em setembro de 1969, Ruth
Machado Lousada Rocha teclava uma máquina de escrever trancada no quarto.
Acostumada a criar textos para adultos, ela tentava terminar a sua primeira
história infantil, para a revista "Recreio".
Só abriu a porta quando finalizou o
conto "Romeu e Julieta", sobre duas borboletas de cores diferentes.
Como uma lagarta que sai do casulo,"nascia" ali também a escritora
Ruth Rocha.
Mais de 200 livros depois e 12 milhões
de exemplares vendidos, Ruth Rocha, 83, conversou com a "Folhinha" em
seu apartamento, em São Paulo.
Folhinha - A infância
mudou nesses 45 anos?
Ruth
Rocha -
As crianças são muito parecidas. Por isso, livros infantis mais antigos e
contos de fadas ainda encantam gente do mundo todo.
Mas hoje tem o computador e outras
tecnologias.
O problema não é o computador ou a TV,
é o uso excessivo deles. Tem criança que fica o dia inteiro com as telinhas
ligadas. Não pode. É preciso ter hora para brincar, estudar, sair, comer e,
claro, também para o computador e a TV. Tem que ter disciplina.
As escolas atuais
estão colocando a disciplina em segundo plano?
Por um lado, as escolas estão muito
caretas. Não são nada divertidas. Mas há muitos colégios metidos a modernos que
vão para o lado oposto. Como o autoritarismo no passado era grande, eles acabam
jogando fora o respeito e a disciplina. Essas escolas também estão erradas. A
criança tem que ter regras, senão fica impossível. Ela pede por limites, quer
ouvir um "não", seja dos pais ou do professor.
Brincar na rua faz falta?
Faz falta, claro. Mas hoje é muito
perigoso. E a criança inventa brincadeiras onde estiver. Quando meus netos eram
pequenos, por exemplo, eles transformavam tudo o que eu tinha na sala de casa
em pista de carrinho. A imaginação é muito forte.
Usar o computador faz com que as crianças
leiam menos?
Não acho. Nunca se vendeu ou produziu
tanto livro. Na minha época, não tínhamos opções, meus colegas não conversavam
sobre literatura e as escolas não tinham bibliotecas. Conhecíamos só as
histórias do Monteiro Lobato. Hoje há mais opções.
Há muitas opções ruins nas livrarias.
Pouca coisa de qualidade é produzida.
Existem duas pragas atualmente nos livros: o "bom mocismo" e o
politicamente correto. Eles estão matando a literatura infantil brasileira.
Ninguém pensa em livros bons para crianças.
A senhora lia muito quando era criança?
Muito. Quando eu tinha 13 anos, decidi
ler todos os livros de uma biblioteca circulante que ficava na avenida São
Luís. Claro que não consegui. Mas acho que li a biblioteca inteira do colégio
Rio Branco, onde estudei e trabalhei.
E ouvia muitas histórias também?
Meu avô era um grande contador de
histórias. Era um velhinho engraçado que adorava contar contos de folclore, dos
irmãos Grimm, fábulas, histórias das "Mil e Uma Noites". Já meu pai
só sabia três histórias: do Aladim, de um homem com a perna amarrada, que eu
não sei de onde ele tirou, e outra que não lembro. E minha mãe, quando
descobriu o Monteiro Lobato, lia várias histórias para a gente.
Há algum tema impossível de escrever?
Já fiz histórias sobre preconceito,
autoritarismo e até adaptei a "Ilíada" e a "Odisseia", de
Homero (700 a.C.). Só não consigo fazer histórias tristes. Preciso de
esperança.
Quais seus planos para o futuro?
Voltar a escrever. Tive que parar por
um tempo, pois deu um trabalho muito grande fazer a reedição da minha obra de
ficção pela editora Salamandra. Foram quase 120 livros.
Planeja fazer lançamentos em livro digital?
O livro digital não pegou no Brasil.
Eles geralmente não aproveitam a tecnologia que têm à disposição. Eu vendo
muito livro, mas minhas obras disponibilizadas em e-book não vendem nada.
Talvez um dia o livro físico acabe, mas esse movimento ainda não começou.
FONTE: Folha de S. Paulo
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