Afastados da
classe pelo câncer, Ricardo e Alanna mantiveram interação com colegas.
Quando estava no
6º ano do ensino fundamental, o estudante Ricardo (nome usado para preservar
identidade da criança) foi diagnosticado com leucemia. O tratamento da doença
exigia transplante de medula e, consequentemente, o afastamento do ambiente
escolar por um período de, no mínimo, sete meses.
Meses depois, na mesma escola em que ele
estudava outra aluna teve uma doença grave. Alanna Anders, que cursava o 1º ano
do ensino fundamental, foi diagnosticada com um câncer raro que afeta os rins.
A escola resolveu então
tomar uma providência: utilizar meios tecnológicos para garantir a participação
dos alunos nas aulas, estando eles em casa ou no hospital.
Roberto, que usou a
tecnologia primeiro, tinha um tablet e acessava o espaço virtual de estudos
disponibilizado pela escola nos momentos em que estava se sentindo melhor,
conta Renata Pastore, diretoria geral de tecnologia educacional do Colégio
Porto Seguro.
— Pensamos em montar uma
sala de aula online no Moodle [plataforma de compartilhamento de conteúdos
online] da escola. A ideia era fazer uma ponte entre a escola e o aluno.
A plataforma traz
exercícios de fixação que dão apoio ao conteúdo aprendido na sala de aula. A
instituição montou um ambiente online de estudos só para os alunos que passavam
por tratamento médico, mas normalmente cada classe da escola tem uma sala de
aula online no ambiente virtual.
Utilizando um tablet
emprestado pela escola, Alanna teve acesso a exercícios no Moodle direcionados
à continuidade da alfabetização.Também eram transmitidas a ela as mesmas
atividades que estavam sendo feitas em sala de aula pelos seus seus colegas de
turma.
— A gente sabia que não ter acesso a nenhum
tipo de conteúdo durante o tratamento iria dificultar a passagem dela para o
segundo ano. Achávamos que a parte emocional também ficaria prejudicada, porque
ela perderia todo o contato com os amigos, diz Renata.
Além de ter acesso ao
Moodle, algumas vezes, por semana Alanna se correspondia com os seus amigos de
classe por meio de vídeo conferências feitas durante as aulas.
— Usar a plataforma em
casa foi muito legal, porque eu via meus amigos, podia estudar e brincar com
eles novamente. As matérias que mais gostei foram matemática e ciência, com os
jogos e atividades, mas o mais legal mesmo foi rever meus amigos, com a
aluna.
Segundo Juliana Ortiz,
professora de Alanna, a experiência transformou todos os envolvidos.
— No início foi até
engraçado, porque na rotina das crianças sempre pergunto ‘quem faltou’? E os
alunos falavam ‘faltou a Alanna’. Com o passar dos dias, eles já não falavam
mais isso, porque ela estaria presente [via videoconferência]. A turma se
modificou muito ao longo desse período, foi um movimento muito cativante,
conta.
Além do conteúdo
As ações de inclusão com
os alunos trouxeram resultados para além da compreensão do conteúdo. Sendo
avaliados pelos professores por meio do Moddle, Ricardo e Alanna puderam passar
de ano e retomar os estudos presenciais no colégio, ainda respeitando as
necessidades dos tratamentos médicos.
Mas, acima de tudo, como
comenta Telma Vinha, professora de psicologia educacional da Faculdade de
Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), os alunos foram
amparados em um período de dificuldade e necessidade de recuperação.
— Para o estudante que
está afastado o mais importante não será adquirir conteúdo, mas sim continuar a
se sentir pertencente a esse grupo de alunos, perceber que os amigos e os
professores se importam, estão preocupados e interagindo com ele. O amigo é
sempre um fator de proteção para as crianças.
Segundo Telma, quando a
escola demonstra uma preocupação sobre como é possível incluir à distância, ela
está ensinando para os seus alunos a ideia da generosidade e
acessibilidade.
Considerando instituições
que não possuem um Moodle, César Nunes, assessor de informática educativa na
rede municipal de educação de São Paulo, fala sobre experiências em escolas
públicas.
— Nas escolas municipais
de São Paulo, utilizamos o Edmodo, um ambiente de colaboração, e também o
EducaPX, que é um espaço para alunos e professores publicarem sites.
— A Secretaria Municipal
de Educação adota esses e outros softwares para facilitar a inclusão dos
alunos. Eles são distribuídos para as escolas e ajudam a suprir diferentes
necessidades.
Ensino fundamental à distância
Desde 1969 no Brasil, o
decreto Lei nº 1.044 garante tratamento excepcional para os alunos que passam
por doenças graves. O artigo 2º da lei possibilita a esses estudantes
compensação da ausência às aulas e execução de exercícios em casa por meio do
acompanhamento da escola. Os chamados exercícios domiciliares devem ser
compatíveis com o estado de saúde do aluno e o local em que eles está se
tratando.
Segundo Renata Pastore, as
iniciativas desenvolvidas com Ricardo e Alanna no colégio Porto Seguro têm base
nessa lei. A diretora acredita que o uso da tecnologia pode ser feito em
atividades educacionais nos anos iniciais do ensino fundamental. Porém, faz uma
avaliação específica sobre a educação à distância nessa fase do ensino.
— É importantíssimo que o
aluno frequente a escola, porque um dos principais objetivos da escola é
trabalhar o convívio social da criança. Então as crianças devem conviver com
amigos e professores.